segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O STF descriminalizou o aborto?

No dia 29 de novembro de 2016 a 1ª turma do Supremo Tribunal Federal - STF decidiu afastar a prisão preventiva de acusados pela suposta prática de aborto com consentimento da gestante e formação de quadrilha, capitulados nos arts. 126 e 188 do Código Penal, respectivamente. A decisão tomada no Habeas Corpus (HC) 124606 ganhou bastante repercussão e gerou bastante polêmica.
Neste artigo, iremos analisar o voto do ministro Luís Roberto Barroso, destacando alguns pontos relevantes, bem como os efeitos dessa decisão.

Entenda o caso

Os suspeitos foram presos em flagrante pela suposta prática de aborto consentido pela gestante e formação de quadrilha. Após diversas divergências por meio de recursos a respeito da prisão preventiva, a questão parou no STF. A turma por unanimidade entendeu que a prisão cautelar era desproporcional por faltar-lhes requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. - Grifo Nosso
O ministro Barroso asseverou que além disso, os réus possuem características que injustificam ainda mais a prisão preventiva, quais sejam: (i) são primários e com bons antecedentes; (ii) têm trabalho e residência fixa; (iii) têm comparecido devidamente aos atos de instrução do processo; e (iv) cumprirão a pena, no máximo, em regime aberto, na hipótese de condenação. Nesse sentido, foi aplicado o entendimento do STF de que a prisão preventiva deve ter seus motivos empiricamente demonstrado quanto aos requisitos legais. Temos como exemplo desse entendimento:
HABEAS CORPUS – JULGAMENTO POR TRIBUNAL SUPERIOR – IMPUGNAÇÃO. [...] PRISÃO PREVENTIVA – AMEAÇA À VÍTIMA – DELEGACIA POLICIAL – AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO. A par de ser ambígua a articulação sobre ameaça à vítima em delegacia policial, quando do registro da ocorrência, tem-se que o ato, havendo vários acusados, deve-se mostrar individualizado. PRISÃO PREVENTIVA – INSTRUÇÃO CRIMINAL – CONVENIÊNCIA – CAPACIDADE INTUITIVA. O instituto da instrução criminal regular apenas respalda a prisão preventiva quando existente atitude concreta visando embaralhá-la. Descabe partir para o campo da presunção. PRISÃO PREVENTIVA – CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. A custódia preventiva não está relacionada à credibilidade da Justiça. Cumpre ao Judiciário observar, de forma estrita, a ordem jurídica.
(HC 109449, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 28/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 20-06-2013 PUBLIC 21-06-2013) - Grifo Nosso
"Unilateral", Flautim, 2016

Onde está a polêmica sobre o aborto então?

Ao proferir seu voto, o ministro Barroso apresentou uma tese adicional de que o aborto realizado nos primeiros três meses de fecundação não pode ser considerado crime devido à nova interpretação dada pela Constituição de 1988. Já que o Código Penal é de 1940 e deve se adaptar a nova realidade social. Outros ministros acompanharam o seu voto concordando com o ministro, Rosa Weber e Edson Fachin. Por outro lado, o relator, ministro Marco Aurélio, e Luiz Fux não se manifestaram sobre a tese a descriminalização do aborto.

Quais os argumentos utilizados pelo ministro Barroso em seu voto?

O ministro Barro explica que criminalizar o aborto nos três primeiros meses viola direitos fundamentais das mulheres. Elencou o ministro:
  1. Violação à autonomia da mulher: Essa violação é observada no fundamento de que o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da Constituição Federal/88) protege a liberdade individual da mulher. Assim o Estado não poderia intervir na autonomia do corpo da mulher;
  2. Violação à integridade física e psíquica: O direito à integridade psicofísica (art. 5º, caput e III da CF/88) protege os indivíduos à lesões tanto físicas quanto mentais. Uma gravidez, poderá, se indesejada, se tornar um tormento neste aspecto;
  3. Violação aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher: Toda mulher tem o direito de decidir sobre quando e se deseja ter filhos;
  4. Violação à igualdade de gêneros: A mulher suporta o fardo da maternidade, nada mais justo que ela decida acerca de prosseguir ou não. Relata em seu voto, observação feita pelo relator Ayres Brito em outro caso que se valeu de frase histórica de movimentos feministas: “se os homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta” (ADPF 54-MC, p.70, 2014);
  5. Discriminação social e impacto desproporcional sobre as mulheres pobres: O aborto é prática de fato no país, mulheres praticam aborto. Entretanto, manter a criminalização estaria impondo um discriminação social as mulheres pobres que não tem meios de pagar um procedimento seguro.
Também, viola o princípio da proporcionalidade, pois este funciona como um limite pra proibição em excesso e da insuficiência. No voto, o ministro relata (através de estudos) que as taxas de aborto são praticamente as mesmas em países que se proíbem e dos que o procedimento é permitido. Logo, a criminalização não protege de fato, mas na verdade afeta a quantidade de abortos que são realizados de maneira segura. Aponta, também, meios alternativos em outros países que permitem esse procedimento em estágio inicial da gestação no qual existe um acompanhamento prévio e um período de reflexão obrigatório sobre a decisão, três dias, normalmente (Alemanha, Portugal, França e Bélgica, são apontados como exemplo).

Essa decisão descriminaliza o aborto?

Não. Essa decisão não descriminaliza o aborto, muito menos inocenta os acusados no processo, pois trata-se da analise de um pedido de prisão preventiva. Aliás, essa decisão não possui efeito vinculativo (quando obriga os demais Tribunais a seguirem o entendimento do STF). Entretanto, poderá essa decisão servir de base para qualquer decisão futura e é uma sinalização do entendimento do STF quanto à temática.

Íntegra do voto neste link.

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