segunda-feira, 24 de junho de 2019

Aborto Legal - Previsão, Procedimento e Onde Fazer

Aborto é a interrupção da gravidez e é considerado crime em muitos países. Contudo, geralmente, é permitido o aborto em determinados casos – estupro, por exemplo. 

No Brasil, o aborto legal é permitido em caso de gravidez decorrente de estupro ou represente risco de vida à mulher, conforme o artigo 128 do Código Penal.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
No julgamento da ADPF 54, o Supremo Tribunal Federal também determinou que o aborto poderá ser realizado em caso de anencefalia fetal (quando não há desenvolvimento cerebral do feto). A ementa foi editada na seguinte disposição, com grifo nosso:
ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.
(ADPF 54, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013 RTJ VOL-00226-01 PP-00011)
Em nenhum dos casos será necessário autorização judicial ou Boletim de Ocorrência, de acordo com a Norma Técnica do Ministério da Saúde - "Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes". Segue:
“A realização do abortamento não se condiciona à decisão judicial que sentencie e decida se ocorreu estupro ou violência sexual. A lei penal brasileira também não exige alvará ou autorização judicial para a realização do abortamento em casos de gravidez decorrente de violência sexual. O mesmo cabe para o Boletim de Ocorrência Policial e para o laudo do Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal, do Instituo Médico Legal. Embora esses documentos possam ser desejáveis em algumas circunstâncias, a realização do abortamento não está condicionada a apresentação dos mesmos. Não há sustentação legal para que os serviços de saúde neguem o procedimento caso a mulher não possa apresentá-los.” (p. 116).

Suzanna e os Velhos, de El Tintoretto, 1955

Tradando-se de estupro, a mulher tem o direito a atendimento gratuito no SUS. Dentre outros, a Lei nº 12.845/2013 determina que a vítima terá direito a tratamentos contra DSTs, a pílula do dia seguinte e apoio psicológico. O procedimento de interrupção da gravidez deverá ser realizado, no máximo, em 20 semanas e o feto pesando até 500 gramas.

Por outro lado, quando se tratar de aborto legal em razão de risco de vida à mulher, o procedimento deve ser precedido de um laudo médico que ateste o risco. Já no caso de anencefalia fetal, além do laudo, deverá ser apresentado um exame que comprove a má formação. Destaca-se que, em ambos os casos, não existe limite de idade de gestação para a interrupção da gravidez, contudo, é indicado que o procedimento seja realizado o quanto antes, pois os riscos são menores para a mulher.

O aborto legal também poderá ser realizado em caso de fetos tenham pouca chance de sobrevivência na vida extrauterina. Todavia, será necessária autorização do Poder Judiciário. Temos um julgado do Superior Tribunal de Justiça, segue o acordão:
Controvérsia: dizer se o manejo de habeas corpus, pelo recorrido, com o fito de impedir a interrupção da gestação da primeira recorrente, que tinha sido judicialmente deferida, caracteriza-se como abuso do direito de ação e/ou ação passível de gerar responsabilidade civil de sua parte, pelo manejo indevido de tutela de urgência.
Diploma legal aplicável à espécie: Código Civil - arts. 186, 187, 188 e 927.Inconteste a existência de dano aos recorrentes, na espécie, porquanto a interrupção da gestação do feto com síndrome de Body Stalk, que era uma decisão pensada e avalizada por médicos e pelo Poder Judiciário, e ainda assim, de impactos emocionais incalculáveis, foi sustada pela atuação do recorrido.
Necessidade de perquirir sobre a ilicitude do ato praticado pelo recorrido, buscando, na existência ou não - de amparo legal ao procedimento de interrupção de gestação, na hipótese de ocorrência da síndrome de body stalk e na possibilidade de responsabilização, do recorrido, pelo exercício do direito de ação - dizer da existência do ilícito compensável; Reproduzidas, salvo pela patologia em si, todos efeitos deletérios da anencefalia, hipótese para qual o STF, no julgamento da ADPF 54, afastou a possibilidade de criminalização da interrupção da gestação, também na síndrome de body-stalk, impõe-se dizer que a interrupção da gravidez, nas circunstâncias que experimentou a recorrente, era direito próprio, do qual poderia fazer uso, sem risco de persecução penal posterior e, principalmente, sem possibilidade de interferências de terceiros, porquanto, ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio. (Onde existe a mesma razão, deve haver a mesma regra de Direito)
Nessa linha, e sob a égide da laicidade do Estado, aquele que se arrosta contra o direito à liberdade, à intimidade e a disposição do próprio corpo por parte de gestante, que busca a interrupção da gravidez de feto sem viabilidade de vida extrauterina, brandindo a garantia constitucional ao próprio direito de ação e à defesa da vida humana, mesmo que ainda em estágio fetal e mesmo com um diagnóstico de síndrome incompatível com a vida extrauterina, exercita, abusivamente, seu direito de ação.
A sôfrega e imprudente busca por um direito, em tese, legítimo, que, no entanto, faz perecer no caminho, direito de outrem, ou mesmo uma toldada percepção do próprio direito, que impele alguém a avançar sobre direito alheio, são considerados abuso de direito, porque o exercício regular do direito, não pode se subverter, ele mesmo, em uma transgressão à lei, na modalidade abuso do direito, desvirtuando um interesse aparentemente legítimo, pelo excesso.
A base axiológica de quem defende uma tese comportamental qualquer, só tem terreno fértil, dentro de um Estado de Direito laico, no campo das próprias ideias ou nos Órgãos legislativos competentes, podendo neles defender todo e qualquer conceito que reproduza seus postulados de fé, ou do seu imo, havendo aí, não apenas liberdade, mas garantia estatal de que poderá propagar o que entende por correto, não possibilitando contudo, essa faculdade, o ingresso no círculo íntimo de terceiro para lhe ditar, ou tentar ditar, seus conceitos ou preconceitos.
Esse tipo de ação faz medrar, em seara imprópria, o corpo de valores que defende - e isso caracteriza o abuso de direito - pois a busca, mesmo que por via estatal, da imposição de particulares conceitos a terceiros, tem por escopo retirar de outrem, a mesma liberdade de ação que vigorosamente defende para si.
Dessa forma, assentado que foi, anteriormente, que a interrupção da gestação da recorrente, no cenário apresentado, era lídimo, sendo opção do casal - notadamente da gestante - assumir ou descontinuar a gestação de feto sem viabilidade de vida extrauterina, há uma vinculada remissão à proteção constitucional aos valores da intimidade, da vida privada, da honra e da própria imagem dos recorrentes (art. 5º, X, da CF), fato que impõe, para aquele que invade esse círculo íntimo e inviolável, responsabilidade pelos danos daí decorrentes.Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1467888/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016)
O aborto poderá ser realizado em qualquer hospital que ofereça serviços de ginecologia e obstetrícia. De acordo com a lei, eles devem ter equipamento adequado e equipe treinada para realizar abortos nas situações previstas. Entretanto, a realidade foge da imposição do legislador, muitos hospitais não garantem o serviço. O site mapaabortolegal.org mapeou os hospitais do Brasil que de fato realizam o procedimento. No Pará, por exemplo, segundo o site, somente Santa Casa de Misericórdia do Pará e Hospital Municipal de Santarém informaram que realizam o procedimento.

Embora, o aborto seja considerado crime, em regra, a realidade das mulheres brasileiras é de que, até mesmo nos casos em que o aborto é autorizado, elas não têm seu direito a um aborto legal e seguro garantido. Não basta que a discussão se paute somente na questão legal, mas, sobretudo, na garantia deste direito – leia-se, investimento e fiscalização.

A intenção do texto não foi ser crítico, mas apenas informativo, segue alguns links úteis.



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