segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Responsabilidade Civil do Estado

No início do ano fomos surpreendidos com a notícia de uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em Manaus-AM que resultou em em diversas mortes e vários foragidos. Neste contexto, surgiu inúmeras discussões acerca de uma possível indenização que a família dos presos teriam direito em razão das mortes no presídio.
Neste artigo, iremos discutir sobre a responsabilidade do Estado em caso de morte do apenado em presídio.

O que é Responsabilidade civil do Estado?

Responsabilidade é quando alguém deve responder perante a ordem jurídica devido a um fato precedente. Existem três tipos de responsabilidade, a penal, civil e a administrativa. Estão são autônomas entre si. Quer dizer que uma pessoa pode responder à uma sem necessariamente à outra. A responsabilidade civil é prevista nos artigos 187 e 927 do Código Civil.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2002. P 462) explicam que responsabilidade civil é quando
“o agente que cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano)”
A responsabilidade civil do Estado é prevista na Constituição de 1988 no seguinte dispositivo:
Art. 37 (...)
 § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O Código Civil também dispõem sobre o tema
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
A responsabilidade do Estado é objetiva. Quer dizer que não necessita da comprovação do dolo ou culpa por parte do agente causador do dano para que o dever de indenizar seja caracterizado. Entretanto, Matheus Carvalho (2016. p 323) enumera os elementos essenciais para configurar a responsabilidade objetiva do Estado, são
  • Conduta (lícita ou ilícita)- praticada por um agente público, atuando nessa qualidade;
  • Dano- causado a um bem protegido pelo ordenamento jurídico, ainda que exclusivamente moral;
  • Nexo de causalidade, ou a demonstração de que a conduta do agente foi preponderante e determinante para a ocorrência do evento danoso ensejador da responsabilidade.
"Os Pilares da Sociedade", George GROSZ, 1926

A responsabilidade objetiva também se estende à pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos. Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 591.874.
CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III - Recurso extraordinário desprovido.(RE 591874, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01820 RTJ VOL-00222-01 PP-00500)  Grifo Nosso
Se tratando de apenado em presídio, existe responsabilidade civil do Estado?

A Constituição Federal determina que o Estado se responsabiliza pela integridade física e moral dos detentos.
Art. 5º (...)
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
Nesse sentido, existe a possibilidade de condenação do Estado à indenização por danos que os detentos venham a sofrer. Caso o Estado se omita de preservar a integridade física e moral do detento, conforme fora lhe imposto nos termos do art. 5º, XLIX, da CF/88. A questão já fora confrontada na Suprema Corte no Recurso Extraordinário 841.526. O acordão teve a seguinte redação:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. 6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. 7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. 8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento. 9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal. 10. Recurso extraordinário DESPROVIDO.(RE 841526, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016) - Grifo Nosso
Conforme podemos observar no acordão, quando ocorre a inobservância do dever de proteção para com os detentos imposta pela Carta Magna, gera a responsabilidade civil do Estado. Entretanto, caso a morte do detento não possa ser evitada (como se estivesse em liberdade), estará prejudicada a responsabilidade, tendo em vista a quebra do nexo de causalidade (um dos elementos para ensejar a responsabilidade).

Em síntese

Em caso de inobservância do Estado no dever de proteção para com os detentos, será configurada a responsabilidade civil do Estado. Caso a morte do detento não possa ser  evitada, não será configurada a responsabilidade civil do Estado.
  
Bibliografia Utilizada

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo, 3ª Edição. Salvador, 2016. Editora JusPodvm.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil — Parte Geral, 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. I.

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