sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Medida Provisória Nº 764 e a Jurisprudência do STJ

Com publicação no dia 27 de dezembro de 2016 e republicação no dia posterior, a Medida Provisória (MP) Nº 764 passou a vigorar no país. A MP tem como teor a legalização da diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.
Ocorre que essa prática era considera ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça à luz do Código do Consumidor (CDC). Nesta postagem, iremos explanar sobre essa polêmica.

A Medida Provisória Nº 764
Preliminarmente, se faz salutar uma leitura do texto integral da MP. O texto pode ser também conferido clicando AQUI.
Art. 1º  Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado. 
Parágrafo único.  É nula a cláusula contratual, estabelecida no âmbito de arranjos de pagamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput. 
Art. 2º  Esta Medida Provisória entra em vigor na data da sua publicação.
Conforme leitura do texto legal, podemos observar que a MP permite a diferenciação de preços em função do
  • prazo: pagamentos à prazo podem ter o preço da mercadoria ou serviço elevado, por exemplo;
  • forma de pagamento: pagamento com cartão de crédito pode sofrer elevação do preço, por exemplo.

O paragrafo único dispõem que o contrato entre as partes não pode suprir essa possibilidade que os comerciantes e prestadores de serviço tem.

"O Prato Favorito", Alessandro Sani, 1879

Visão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes da MP 764

Constitui prática abusiva onerar a compra ou serviço de forma unilateral e sem motivo, nos termos do art. 39, X, do Código do Consumidor (CDC) que tem como dicção:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

Fabrício Bozlan (2014. P 751), ao estudar o dispositivo supracitado, compreende como prática abusiva o aumento ou diminuição do valor em razão da forma de pagamento.

“prática comumente encontrada no mercado de consumo é aquela em que o fornecedor cobra um preço a maior se o pagamento feito pelo consumidor for realizado por meio de cartão de crédito, ou, a contrario sensu, quando concede um “desconto” se o pagamento for em dinheiro. Ambas as situações, em nossa opinião, configuram práticas abusivas violadoras do dispositivo do CDC ora em análise. (art. 39, X, CDC)
Alinhado a esse entendimento, a Superior Corte decidiu que a elevação do preço de produto ou serviço através de cartão de crédito constitui prática abusiva.
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO - COBRANÇA DE PREÇOS DIFERENCIADOS PRA VENDA DE COMBUSTÍVEL EM DINHEIRO, CHEQUE E CARTÃO DE CRÉDITO - PRÁTICA DE CONSUMO ABUSIVA - VERIFICAÇÃO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.I - Não se deve olvidar que o pagamento por meio de cartão de crédito garante ao estabelecimento comercial o efetivo adimplemento, já que, como visto, a administradora do cartão se responsabiliza integralmente pela compra do consumidor, assumindo o risco de crédito, bem como de eventual fraude;II - O consumidor, ao efetuar o pagamento por meio de cartão de crédito (que só se dará a partir da  autorização da emissora), exonera-se, de imediato, de qualquer obrigação ou vinculação perante o fornecedor, que deverá conferir àquele plena quitação. Está-se, portanto, diante de uma forma de pagamento à vista e, ainda, pro soluto" (que enseja a imediata extinção da obrigação);III - O custo pela disponibilização de pagamento por meio do cartão de crédito é inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelo empresário, destinada à obtenção de lucro, em nada referindo-se ao preço de venda do produto final. Imputar mais este custo ao consumidor equivaleria a atribuir a este a divisão de gastos advindos do próprio risco do negócio (de responsabilidade exclusiva do empresário), o que, além de refugir da razoabilidade, destoa dos ditames legais, em especial do sistema protecionista do consumidor;IV - O consumidor, pela utilização do cartão de crédito, já paga à administradora e emissora do cartão de crédito taxa por este serviço (taxa de administração). Atribuir-lhe ainda o custo pela disponibilização de pagamento por meio de cartão de crédito, responsabilidade exclusiva do empresário, importa em onerá-lo duplamente (in bis idem) e, por isso, em prática de consumo que se revela abusiva;V - Recurso Especial provido.(REsp 1133410/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/2010, DJe 07/04/2010) - Grifo Nosso
No ano de 2015 o STJ fez importante decisão a cerca da matéria em debate, no sentido de que qualquer diferenciação na forma de pagamento constitui pratica nociva ao equilíbrio contratual.
[...]3. O estabelecimento comercial credenciado tem a garantia do pagamento efetuado pelo consumidor por meio de cartão de credito, pois a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelos riscos creditícios, incluindo possíveis fraudes.4. O pagamento em cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação perante o fornecedor, pois este dará ao consumidor total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, implicando, automaticamente, extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor.5. A diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza prática abusiva no mercado de consumo, nociva ao equilíbrio contratual. Exegese do art. 39, V e X, do CDC: "Art.39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (...) X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços".[...]7. A Lei n. 12.529/2011, que reformula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, considera infração à ordem econômica, a despeito da existência de culpa ou de ocorrência de efeitos nocivos, a discriminação de adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços mediante imposição diferenciada de preços, bem como a recusa à venda de bens ou à prestação de serviços em condições de pagamento corriqueiras na prática comercial (art. 36, X e XI).Recurso especial da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte conhecido e improvido.(REsp 1479039/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 16/10/2015) - Grifo Nosso

Em síntese
A diferenciação de preços de produtos e serviços em razão da forma de pagamento (e prazo) deixou de se tornar conduta ilegal com o advento da Medida Provisoria nº 764.

Para Além do Assunto
Medida Provisória é instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência. O prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Nesse período, deverá ser aprovada no Congresso para que se constitua definitivamente em lei. 

Bibliografia utilizada
BOLZAN, Fabrício. Direito do consumidor esquematizado. (Coleção esquematizado, Coord. Pedro Lenza). São Paulo: Saraiva, 2014.

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