terça-feira, 4 de setembro de 2018

A Indústria do Mero Aborrecimento e a Teoria do Desvio Produtivo

Quem nunca teve que faltar trabalho, lazer ou estudo para resolver problemas no banco? Muitos! E, infelizmente, na maioria das vezes, não encontram a solução. Isso leva bastante clientes ingressam na justiça a fim de requer devida reparação por dano moral. Não é raro o consumidor frustrar-se ao ter sua demanda indeferida sob o conhecido brocado “mero aborrecimento”.

Nesse dia 04 de setembro, a OAB está realizando a campanha nacional “Mero Aborrecimento Tem Valor” que tem por objetivo realizar uma reflexão com a sociedade e o Poder Judiciário a respeito dos prejuízos que o consumidor tem na relação de consumo. Esse texto tem a finalidade de estimular o debate quanto à função punitivo-pedagógica do dano moral, o mero aborrecimento e a teoria do desvio produtivo.

O dano moral é lesão ao bem jurídico subjetivo da pessoa, como a dignidade, a liberdade ou a honra. É previsto expressamente na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso X. A matéria também é ratificada no Código Civil nos artigos 186, 187 e 927. Por ser de ordem subjetiva, ele não pode ser tabelado. O magistrado deve observar o caso em concreto para aferir o valor. 
Constituição
art. 5 –
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Código Civil
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Ele tem a função compensatória, isso quer dizer que tem o objetivo de amenizar o dano subjetivo experimentado pela vitima. Entretanto, o dano moral não pressupõem necessariamente dor ou sofrimento (Enunciado445- V Jornada de Direito Civil).

Além da função compensatória, a indenização por dano moral tem a função punitivo-pedagógica. Isso porque ele tem o intuito de punir e dissuadir o violador do direito a jamais repetir o ato lesivo, bem como prevenir que outros também pratiquem ato semelhante.

A responsabilidade, leia-se o dever de reparar o dano, na relação de consumo é objetiva. Isso quer dizer que o fabricante, construtor, produtor ou prestador de serviço responde pelos danos causados independente de culpa. Essa responsabilidade decorre do risco da atividade e só poderá ser afastada se os mesmos comprovarem a culpa exclusiva do cliente, por exemplo.

Nesse passo, observamos que a indenização também exerce uma função social de desestimulo às praticas abusivas das empresas e independe de culpa. Ou deveria ser assim.

O Tempo, Almeida Junior

A expressão “mero aborrecimento” é comumente utilizada em decisões em que o julgador ou órgão revisor não observa violação dos direitos de personalidade na lide apresentada. A expressão tem intima relação com outro fenômeno. A prática jurídica revela que muitas partes ingressam com ações cuja a finalidade é conseguir dinheiro através da indenização apresentando ao juízo casos estapafúrdios. Esse "boom" de ações infundadas recebeu o nome de "industria do dano moral".  

Em resposta, o judiciário passou a ser bastante criterioso no reconhecimento da existência do dano moral nas relações consumeristas, visando coibir “a indústria do dano moral”. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por exemplo, criou a Súmula nº 75 que se revelou uma verdadeira blindagem contra as demanda que versam sobre o direito do consumidor e dano moral.
Súmula TJ-RJ Nº 75
"O simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte."
O entendimento da súmula em questão é replicado com frequência nos tribunais do Brasil. Entretanto, ainda que o descumprimento de um contrato não caracterize, por si só, violação a algum direito de personalidade do cliente, o tempo desperdiçado para (tentar) resolver a má prestação de serviço é compreendido como azo para que ocorra o dever reparar das empresas que prestam maus serviços. A teoria do desvio produtivo do consumidor ou da perda do tempo útil versa sobre isso. O criador da Teoria, Marcos Dessaune, a define:
“O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”.
A OAB/RJ protocolou pedido de cancelamento da súmula nº 75, sob a justificativa de que ela seria um estimulo para a reincidência das praticas abusiva por parte das empresas. A Seccional acusa que:
"A Súmula 75 do TJ/RJ faz com que se beneficiem apenas aqueles que praticam o dano, o que acaba por resultar no fato de que a conduta lesiva ainda compense financeiramente e reafirme a situação histórica de desigualdade. Ao não estabelecer uma função verdadeiramente punitiva nas indenizações pelos danos causados, ocorre, na realidade, o favorecimento da prática da conduta lesiva e a desvalorização da dignidade"
A teoria vem ganhando voz no judiciário. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a aplicação da teoria do desvio produtivo num caso concreto, negando provimento ao recurso especial do banco no AREsp 1.260.458/SP. O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator, exarou:
“Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei. Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências - de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer - para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar”.
Como vimos, o dano moral também tem função punitivo-pedagógica. Logo, é importante que o valor da indenização seja exemplar, sob pena de se tornar irrisória e, consequentemente, servir como um estimulo para as empresas descumprirem o contrato.

Por um lado, as empresas alegam que vem ocorrendo “uma indústria do dano moral”, em razão de um numero expressivo de ações infundadas. Noutra esteira, clientes e advogados militam pela existência da “indústria do mero aborrecimento” na medida que o poder Judiciário vem indeferindo corriqueiramente as ações, sem, contudo, observar o gasto do tempo útil dos consumidores na busca de uma solução administrativa dos problemas.

A "indústria do mero aborrecimento", em verdade, desencoraja o consumidor a lutar pelos seus direitos, pois teme que "não irá dar em nada", caso procure ingressar na justiça. Esse receio acaba se tornando um consentimento social em relação à "normalidade" das práticas abusivas. 

O poder Judiciário, OAB e a sociedade não devem se curvar. A aplicação da teoria da perda do tempo útil nas decisões, em conjunto com uma indenização exemplar, certamente irá ajudar a coibir praticas abusivas e diminuir o sentimento de impunidade. O consumidor deve aproveitar melhor seu tempo.

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