Nos últimos anos, o Brasil vem
amargando inúmeras reformas impopulares, como a Emenda Constitucional n.º 95,
de 2016, que instituiu novo regime fiscal, estabelecendo um rígido mecanismo de
controle dos gastos públicos a partir do índice inflacionário, sob o azo de pouco
recurso disponível. Na mesma linha, o governo “investe” forte em campanhas para
aprovar a Reforma da Previdência, também sob justificativa enxugar as despesas
públicas.
Independente da discussão
quanto a real necessidade destas e outras reformas em busca de austeridade
financeira, a captação de novas fontes de recursos para o Estado ganha espaço
em meio à crise institucional. Nesse sentido, o Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF) se mostra uma oportunidade viável e pouco discutida.
Imposto sobre Grandes Fortunas
A Constituição Federal (CF)
outorgou à União a competência para instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF), conforme estipula o art. 153, VII, da CF. O IGF só poderá ser criado através
de Lei Complementar. Esses “tipos” de lei são mais "difíceis" de serem
aprovadas, em virtude do quórum qualificado.
Os impostos, em geral, têm como
uma das características a tributação em razão da manifestação de riqueza do
contribuinte. Por exemplo, auferir renda para o Imposto de Renda (IR). Se
tratando de IGF, o fato gerador que ensejaria o dever de pagar o tributo seria
possuir "grandes fortunas".
A tributação de grandes
fortunas encontra subsídio com o princípio da capacidade contributiva (art.
154, §1° da CF) que versa que o cidadão contribuirá na exata proporção da sua
capacidade economia. Logo, pessoas com maior capacidade econômica, contribuem
mais.
Os Projetos de Lei
Apesar da previsão existir
desde o nascimento da Constituição Federal em 1988, após mais de 20 anos (30,
este ano), nunca houve regulamentação para tal tributo.
O projeto de Lei Complementar
nº 202, de 1989, proposta pelo então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB/SP),
foi a primeira tentativa de regulamentação do IGF. Entretanto, apesar de
tramitação em regime de “urgência”, o projeto encontra-se para leitura e
publicação dos pareceres da Comissão Constituição e Justiça e Redação (CCJR) e
da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) desde 06/12/2000. Última movimentação
em 21/09/2012:
Indeferido o REQ 5213/12, conforme despacho do seguinte teor: "Indefiro o Requerimento n. 5.213/2012, nos termos do art. 142, parágrafo único, primeira parte, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, tendo em vista que o Projeto de Lei Complementar n. 202/1989 se encontra em fase de apreciação de emendas oferecidas em Plenário. Publique-se. Oficie-se."
Com parecer aprovado por todas
as comissões citadas, o Projeto de Lei Complementar nº 277, de 2008, encontra-se
pendente de apreciação do plenário, também sob o regime de “urgência”. A
proposta é de criação dos deputados do Psol Luciana Genro (RS), Ivan Valente
(SP) e Chico Alencar (RJ). Última movimentação em 08/03/2018:
Apresentação do Requerimento de Inclusão na Ordem do Dia n. 8215/2018, pelo Deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que: “Requeiro a Vossa Excelência, nos termos do artigo 114, inciso XIV do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a inclusão na Ordem do Dia das proposições legislativas abaixo que se encontrem prontas para a pauta, e que as demais também sejam incluídas na agenda prioritária de medidas para enfrentar a auto-imposta crise econômica".
O Senador Antônio Carlos
Valadares (PSB/SE) propôs a regulamentação do IGF através do Projeto de Lei do
Senado n° 534, de 2011. O projeto encontra-se com pauta para a Comissão de
Assuntos Sociais em 19/05/2015. Última movimentação em 29/08/2017:
A Presidente da Comissão, Senadora Marta Suplicy, designa o Senador Lindbergh Farias Relator da matéria. O processado da matéria permanecerá na Secretaria da Comissão, conforme o art. 6º da Instrução Normativa da Secretaria-Geral da Mesa nº 4, de 2015.
Apesar da relevância social e econômica,
observamos que a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas encontra
grande dificuldade de aprovação pelos “representantes do povo”, uma mora
legislativa que irá fazer 30 anos este ano!
Nesse ínterim, teria o Judiciário
algum papel no sentido de sanar essa omissão legislativa?
Vincent van Gogh, Comedores de Batatas, 1885
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
A Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) é uma ação que tem por objetivo tornar
efetiva determinada norma constitucional em razão da omissão do Poder Público.
Declarada a omissão, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias, se tratando de Poder Legislativo, a Constituição não estabelece
prazo.
O governador do Estado do
Maranhão, Flávio Dino (PC do B), ajuizou a ADO 31 contra o Congresso Nacional em
face da falta da regulamentação até hoje do Imposto sobre Grandes Fortunas. Aduziu,
em síntese, que a renúncia da União em regulamentar o imposto tem estreita
ligação com os interesses do seu estado, uma vez que tem “o segundo menor
Produto Interno Bruto (PIB) per capita
e que ostenta ainda baixíssimos indicadores sociais, como o segundo pior Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH)”. O relator era o ministro Teori Zavascki.
O atual relator, o ministro
Alexandre de Moraes, extinguiu a ação, sem resolução de mérito, sob o
fundamento de que o governador não teria demostrado pertinência temática,
conforme jurisprudência do STF. Exarou o ministro:
“No caso, o governador do Maranhão não demonstrou, de forma adequada e suficiente, a existência de vínculo de pertinência temática, apresentando um único argumento: o Estado do Maranhão teria interesse na efetiva instituição e arrecadação do IGF, pois, ocorrendo o incremento de receitas da União, o volume a ser partilhado com os Estados seria consequentemente majorado”
O ministro também salientou que
a Constituição Federal não determina repartição obrigatória das receitas
eventualmente auferidas com a arrecadação do Imposto sobre Grandes Fortunas
entre a União e os demais entes.
O Governador recorreu da
decisão e o processo encontra-se para julgamento. O Procurador-Geral da
República já se manifestou nos autos pela improcedência do agravo regimental.
Entendeu a PGR:
“A omissão legislativa que a ADO pretende sanar refere-se à instituição de tributo de titularidade da União: o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). A ação, por sua vez, foi proposta por governador de Estado-membro. Não há, no sistema tributário constitucional, norma que preveja repartição de receitas desse tributo com os demais entes federados. Dessa maneira, falta legitimidade ao requerente, porquanto não está presente o requisito da pertinência temática”.
Caso prospere para uma análise de
mérito, poderia o Legislativo ser “obrigado” a instituir tal tributo?
Competência Tributária Facultativa
A competência tributária é a outorga
de poder que a constituição confere aos entes federados para instituir
tributos.
Sobre a obrigatoriedade de
exercer essa competência, temos:
“A competência pode ser exercida a qualquer tempo, não estando condicionada por prazo decadencial. Assim, o não exercício da competência tributária não implica perda da possibilidade de fazê-lo” (PAULSEN, 2017)
“O exercício da competência tributária não é compulsório. A entidade política contemplada pode instituir ou não o tributo, segundo sua política fiscal adotada” (HARADA, 2017)
Logo, os Entes Federativos não
são obrigados a instituir um tributo, uma vez que a competência tributária
outorgada pela Constituição Federal é facultativa. Também não existe um prazo
para o exercício, pois a competência é incaducável.
Então, infelizmente, a
regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas depende, exclusivamente, da vontade
política dos nossos representantes.
Kiyoshi Harada (2017) teceu
dura e aterradora crítica sobre o IGF e sua regulamentação.
“Por razões políticas esse imposto não foi instituído até hoje e nem será criado no futuro, confirmando a velha tradição brasileira de o rico ficar à margem da tributação. Prova disso está na instituição do IPMF mediante alteração constitucional casuística e de natureza concreta. Houvesse vontade política, o imposto já teria sido instituído, valendo-se da extrema facilidade na identificação dos detentores de grande fortuna propiciada pelo mecanismo de declaração de bens em UFIR, introduzida a partir de 1991”
Em Síntese
O Imposto sobre Grandes Fortunas é de competência da União. Existem inúmeros projetos de Lei pendentes de aprovação desde 1989 para regulamentar o imposto. Embora, exista uma ação no STF visando a regulamentação do mesmo, a União não poderá ser obrigada a institui-lo, pois a competência é facultativa e incaducável. Assim, depende, exclusivamente da vontade política do Congresso Nacional.
Para Além do Assunto
Embora a competência tributária seja facultativa, entendo que a mora legislativa em regulamentar o IGF é uma nítida afronta ao principio da igualdade, na medida em que, sabidamente, os mais desfavorecidos suportam uma maior carga tributária. O art. 3º, III, da CF/88 estipulou com clareza um dos objetivos fundamentais da nossa Republica: "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".
Bibliografia Utilizada
PAULSEN, Leandro. Curso de
direito tributário completo. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2017
HARADA, Kiyoshi. Direito
financeiro e tributário. 26. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017
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