sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

O Lula ainda pode ser candidato à presidência nas eleições de 2018?

Luís Inácio Lula da Silva teve sua condenação confirmada pelo Tribunal Regional da 4ª Região a 12 (doze) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 70 (setenta) dias-multa, à razão unitária de 05 (cinco) salários mínimos, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (por ocultação e dissimulação de titularidade do apartamento do Tríplex).

Essa condenação despertou inúmeros debates concernente a sua condenação (e processo que a conduziu), bem como aos efeitos “políticos” da mesma. Esse artigo visa fazer uma (breve) análise quanto a possibilidade do ex-presidente ser candidato à Presidência da República nas eleições de 2018, à luz da Lei Ficha Limpa e da Constituição Federal.

Inelegibilidade, Lei das Inelegibilidades e a Ficha Limpa

Inelegibilidade pode ser conceituado como impedimentos à capacidade eleitoral passiva, ou seja, são condições que impedem o cidadão de ser eleito para determinado cargo político. Esse impedimento acontece devido a fatos ocorridos e estes são previstos na Constituição Federal e também em lei complementar.

Existem dois tipos de inelegibilidade. As inelegibilidades “inatas” que decorrem, por exemplo, do exercício de determinados cargos ou parentescos, estas visam “preservar o equilíbrio nas disputas eleitorais e a moralidade administrativa, de forma a que seja resguardado o equilíbrio nas disputas, a normalidade e a legitimidade das eleições” (BERREIROS NETO, 2014). Também temos as inelegibilidades “sanção” que, na maioria das vezes, são comidas em razão da prática de ato ilícito.

A Constituição Federal positivou no art. 14, § 9ª.
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
A Lei Complementar nº 64/90, conhecida como Lei das Inelegibilidades, regulamentou o art. 14, § 9ª, da Constituição. Essa lei, como sabido, estabelece diversas hipóteses de inelegibilidade. Entretanto, após 20 anos de sua promulgação, ela foi alterada pela Lei Complementar nº 135/2010, também conhecida como a Lei da Ficha Limpa. Essa Lei surgiu por iniciativa popular, com a Campanha da Ficha Limpa pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), e estabeleceu, dentre outras alterações,
“(...) a substituição de diversas penas de inelegibilidade de três anos, previstas no artigo 1° da Lei Complementar nº 64/90, por outras de oito anos a contar das eleições em que tenham concorrido os condenados. Da mesma forma, como principal inovação, a referida lei possibilitou a imputação de inelegibilidades a pessoas condenadas, sem trânsito em julgado por diversas espécies de crimes, desde que tais condenações sejam proferidas por órgãos colegiados do Poder Judiciário, flexibilizando o princípio da presunção da inocência.” (BERREIROS NETO, 2014, p. 229, grifo nosso)
Inelegibilidade de Lula com a condenação

Lula foi condenado por pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro (por ocultação e dissimulação de titularidade do apartamento do Tríplex) pelo Tribunal Regional da 4ª Região em acordão unanime. Essa condenação gera efeitos na sua elegibilidade. Vejamos.

O artigo 1º, I, e, da LC nº 64/90 dispõem que serão inelegíveis para qualquer cargo
“os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando” (Grifo Nosso)
Lula está inelegível por ter sido condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em decisão unanime proferida por órgão colegiado (mesmo que a decisão não esteja transitada em julgado, ou seja, mesmo que ainda caiba recurso), nos termos do art. 1º, I, e, da LC nº 64/90.
José Jairo Gomes (2016) ensina que
“O marco inicial da causa de inelegibilidade em exame é [...] a publicação [...]do acórdão que confirma (= confirmatório) sentença condenatória. No REspe n° 122-42/CE (PSS 9-10-2012), entendeu a Corte Superior que a inelegibilidade incide desde a publicação da decisão, de maneira que a oposição de embargos de declaração não afeta sua imediata incidência”.
Logo, com a publicação do acórdão do TRF-4, Lula está inelegível.

Di Cavalcanti, A Independência

Recurso ao STJ/STF

Não obstante a inelegibilidade tenha seus efeitos mesmo que a decisão colegiada não tenha transitada em julgado, a suspensão dos seus efeitos poderá ser concedida mediante recurso ao órgão colegiado que proferiu a decisão. Essa possibilidade é prevista na Lei das Inelegibilidades. Vejamos.
Art. 26-C.  O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
Os recursos cabíveis para combater a decisão proferida no colegiado do TRF-4 são o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário. O Recurso Especial é direcionado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele visa a analisar matéria eminentemente infraconstitucional. O Recurso Extraordinário é direcionado para o Supremo Tribunal Federal (STF) e tem como finalidade a análise de questões constitucionais.

O STJ já se posicionou
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR PARA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. LEI DA FICHA LIMPA. ART. 26-C, DA LC N.º 64/1990, ALTERADA PELA LC N.º 135/2010. REQUISITOS. ADITAMENTO DO APELO EXTREMO QUANDO INTERPOSTO EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LC N.º 135/2010 (ART. 3º). PLAUSIBILIDADE DO DIREITO ALEGADO. ATO DE IMPROBIDADE. GRADAÇÃO DA PENA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.1. A concessão de efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão colegiada que importe na decretação de inelegibilidade para qualquer cargo público (art. 1º, inciso I, da LC n.º 64/90, alterado pela LC n.º 135/2010), nos termos do art. 26-C, da LC n.º 64/90, incluído pela LC n.º 135/2010, pressupõe o atendimento dos seguintes requisitos: a) que a aplicabilidade de referido preceito legal tenha sido suscitada no recurso especial o qual, se protocolado em data anterior à referida modificação legislativa, deverá ser aditado (art. 3º, da LC n.º 135/2010), sob pena de preclusão; b) que a inelegibilidade encontre-se prevista nas alíneas "d", "e", "h", "j", "l" ou "n", do inciso I, do art. 1º, da LC n.º 64/90, alterado pela LC n.º 135/2010; e c) que reste demonstrada a plausibilidade da pretensão recursal a que se refira a suspensividade.2. Isto porque, a suspensão dos efeitos da decisão colegiada que decreta a perda dos direitos políticos, por ato de improbidade, encontra previsão no art. 26-C da LC n.º 64/90, incluído pela LC n.º 135/2010, verbis: O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
[...]
(AgRg na MC 17.133/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 02/02/2011)
Destarte, para conseguir o efeito suspensivo e evitar o “trânsito em julgado do efeito da inelegibilidade ”, a defesa de Lula deve interpor recurso (Especial ou Extraordinário) da condenação pelo TRF-4 e requerer a “suspensão da inelegibilidade” demostrando “plausibilidade da pretensão recursal”, nos termos do art. 26-C da LC 64/90.

A Justiça Eleitoral e o Registro de Candidatura

Ainda que medida cautelar seja deferida pelo STF ou STJ, o registro de candidatura é questão atinente à Justiça Eleitoral, matéria estranha às estas Cortes. Assim sedimentou o Superior Tribunal de Justiça.
[...]
9. Dessa forma, ainda que o STJ venha a suspender os efeitos de eventual condenação de improbidade administrativa, não lhe caberá deliberar quanto à elegibilidade do candidato, pois envolve, naturalmente, outras questões estranhas às ordinariamente aqui decididas. Nessa esteira, cabe comentar, por oportuno, que, pela nova lei, não é qualquer condenação por improbidade que obstará a elegibilidade, mas, tão somente, aquela resultante de ato doloso de agente público que, cumulativamente, importe em comprovado dano (prejuízo) ao erário e correspondente enriquecimento ilícito.10. A decisão tomada pelo STJ com base no art. 26-C da LC 64/2001 não implica comando judicial que vincule a Justiça Eleitoral ao deferimento do registro da candidatura (não há hierarquia jurisdicional ou funcional entre o TSE e o STJ), mas, sim, importante ato jurídico a respaldar o deferimento dessa pretensão junto à própria Justiça Eleitoral ou, em última análise, ao Supremo Tribunal Federal.
11. Submissão à Turma da liminar que deferiu o efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos do artigo 34, V, do RISTJ.(MC 17.112/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 28/09/2010) – Grifo Nosso
Por outro lado, ainda existe outra maneira de se anular os efeitos da inelegibilidade. Iremos analisar no próximo tópico.

Anistia, Graça e Indulto

Anistia, graça e indulto são formas do Estado renunciar seu direito de punir. São previsto no Código Penal .
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
II - pela anistia, graça ou indulto;
A graça e indulto são  causa de extinção de punibilidade concedidos pelo Presidente da República (podendo ser delegado para o Procurador Geral da República, Advogado Geral da União ou Ministros de Estado) através de Decreto que opera no efeito executório da condenação. Estes institutos pressupõem sentença condenatória transitada em julgado (decisão que não cabe mais recurso). A graça é concedida individualmente e o indulto é concedido coletivamente.  Considerando o caso em tela, a doutrina entende que estes institutos não são a via adequada para que o ex-presidente seja considerado elegível, uma vez que eles extinguem somente o efeito principal (a pena), subsistindo os efeitos secundários (inelegibilidade, como no caso).
“No plano dos efeitos, tanto a graça quanto o indulto afetam apenas a pena (efeito penal principal), deixando incólumes os efeitos penais secundários e extrapenais. Logo, a vertente inelegibilidade da alínea e, I, art. 1o da LC no 64/90 não é afetada pela graça nem pelo indulto” (GOMES, 2016)
A anistia é causa de extinção de punibilidade concedida pelo Congresso Nacional através de Lei Federal Ordinária (art. 48, VIII, CF/88), ela se justifica por interesses político. Ela opera de forma total e parcial nos efeitos da pena e pode ser concedida mesmo que a decisão objeto da anistia não tenha transitado em julgado. Ela afeta o crime e seus efeitos secundários (inelegibilidade, por exemplo). José Jairo Gomes (2016) esclarece
“No que concerne à inelegibilidade prevista na enfocada alínea e, I, art. 1º da LC no 64/90, é ela abolida pela anistia. A subsistência da inelegibilidade é inconciliável com o instituto em apreço. Afinal, a anistia é em regra motivada por razões de ordem política, cuja finalidade é o esquecimento dos fatos em prol da paz social. Assim, pela própria natureza da anistia, ainda que não haja específica previsão legal, não subsiste a inelegibilidade”
Nesse sentido, a anistia é um instituto político adequado para sanar a inelegibilidade.

Em síntese

Com a confirmação da condenação pelo TRF-4, Lula torna-se inelegível a partir da publicação da decisão do colegiado. Entretanto, poderá requerer medida cautelar ao STF/STJ requerendo efeito suspensivo dessa inelegibilidade. Por outro lado, mesmo que a medida cautelar seja deferida, não implica que ela seja vinculada à Justiça Eleitoral. Finalmente, a anistia também é meio cabível para sanar a inelegibilidade do candidato.

Bibliografia utilizada

BARREIROS NETO, Jaime. Direito Eleitoral: Coleção Sinopses para Concurso.4 ed. Bahia: Juspodvim, 2014
Gomes, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.


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