terça-feira, 14 de março de 2017

A Ameça Espiritual e o Crime de Extorsão

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no Recurso Especial nº 1299021 que a ameaça de emprego de forças espirituais (sobrenaturais) para constranger alguém a entregar algum bem ou valor é apta para caracterizar o crime de extorsão. Entenda o caso.

Extorsão

O crime de extorsão é capitulado no art. 158 do Código Penal, nele o agente do crime tem a finalidade de que a vitima faça ou deixe de fazer algo mediante grave ameaça para que se possa obter vantagem econômica. Nesse sentido, consiste no "constrangimento/coação imposta a alguém  para  que  este  faça algo, empregando o agente violência ou grave   ameaça, entendendo-se  esta  como  a  intimidação,  coação psicológica,  que  pode  ser  exercida  de forma direta ou indireta, implícita ou explícita, de um castigo ou malefício, devendo-se, para tanto,  analisar  diversos outros fatores, tais como, fragilidade da vítima, condição físicas e profissionais do agente, etc" (HC 353.818/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017).
Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: 
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Importante esclarecer que a vantagem econômica não precisa ser adquirida para a consumação do crime, ou seja, basta que o ato de constranger alguém com a finalidade de obter vantagem econômica tenha sido efetivada. É o que a doutrina chama de crime do tipo formal, quer dizer que basta que o ato seja realizada para a consumação do crime, dispensando o resultado (o efetivo ganho econômico, por exemplo).  Esse entendimento, aliás, é fixado através da Súmula 96 do STJ.
O CRIME DE EXTORSÃO CONSUMA-SE INDEPENDENTEMENTE DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM INDEVIDA.(Súmula 96, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 03/03/1994, DJ 10/03/1994, p. 4021)
Bosch, O Charlatão, 1502

A Ameaça Espiritual

A conduta descrita no art. 158 do CP é de constranger alguém mediante grave ameaça ou violência. Entretanto, esta violência ou grave ameça devem ser meios inidôneos de intimidar alguém, como a ameaça de revelar um segredo relevante em troca de quantia em dinheiro. 
No Recurso Especial nº 1299021, o ministro relator Rogerio Schietti considerou que ameças espirituais (sobrenaturais) são meios inidôneos para intimidar alguém a entregar a vantagem econômica, tendo em vista que "para a vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de forças sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios", afastando a tese da defesa de que ameaças espirituais "são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o homem médio". Assim, o excerto do acordão referente a esse assunto ficou com a seguinte disposição:
3. A alegação de ineficácia absoluta da grave ameaça de mal espiritual não pode ser acolhida, haja vista que, a teor do enquadramento fático do acórdão, a vítima, em razão de sua livre crença religiosa, acreditou que a recorrente poderia concretizar as intimidações de "acabar com sua vida", com seu carro e de provocar graves danos aos seus filhos; coagida, realizou o pagamento de indevida vantagem econômica. Tese de violação do art. 158 do CP afastada.
[...]
5. Não há, na dinâmica dos fatos descritos pelo Tribunal de origem, elemento que autorize, de plano, o acolhimento da tese de que a recorrente agiu com o intuito de, com fórmulas e rituais, resolver os problemas de saúde supostados pela vítima., praticando, em verdade, o crime de curandeirismo. Para afastar a conclusão da instância ordinária, de que a recorrente, desde o início, valeu-se da liberdade de crença da vítima e de sua fragilidade para obter vantagem patrimonial indevida, seria necessário reexaminar fatos e provas, providência incabível no recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
6. Devidamente motivada a fixação da reprimenda inicial acima do mínimo legal, não há falar em violação do art. 59 do CP. Em relação ao crime de estelionato, o acórdão registrou que a recorrente "explorou os sofrimentos da vítima, bem como obteve ganhos expressivos", elementos que justificam o acréscimo da pena-base em apenas 2 meses de reclusão. Quanto ao crime de extorsão, a instância ordinária exasperou a reprimenda em 8 meses de reclusão, haja vista que a recorrente, além de consumar a extorsão, obteve com a conduta o proveito de R$ 20.000,00. Correta a mais severa fixação da pena nesta hipótese, quando comparada, por exemplo, com a conduta de agente que consuma a extorsão, mas não exaure o crime, vale dizer, não obtém a indevida vantagem econômica que desejava.
[...]
(REsp 1299021/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017) - Grifo Nosso
Em síntese 

O crime de extorsão se concretiza quando alguém constrange outro para obter vantagem econômica, mediante violência ou grave ameaça, sendo que a ameaça espiritual é meio inidôneo para intimidar alguém, tendo em vista a forte religiosidade do povo brasileiro.

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