domingo, 13 de novembro de 2016

Legítima Defesa

"O que é legitima defesa? Como ela se caracteriza?"

O conceito e os elementos necessários para a caracterização da mesma serão abordados neste artigo.

A legitima defesa é uma das causas de exclusão de ilicitude. Quer dizer que mesmo que o agente que realizou uma conduta prevista como crime no Código Penal – CP, sob determinadas condições, não comete crime, ou seja, sua conduta deixa de ser ilícita e passa ser legal. É prevista expressamente no CP art. 23.
Exclusão de ilicitude
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fatoI – em estado de necessidade;II – em legítima defesa;III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito 
Fernando Capez (2012, p 311) leciona que legitima defesa é “causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários”. Trata-se de um ataque ilícito perante o agente ou outrem em que este está legitimado a repulsar. O caput do art. 25 do CP prevê o conceito de legítima defesa.
Legítima defesaArt. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Conforme podemos observar no dispositivo acima colacionado, temos diversos requisitos para que a legítima defesa seja caracterizada, quer dizer que sem estes elementos a ação não será considerada como exclusão de ilicitude, mas como um ato ilícito mesmo. São (1) agressão injusta, (2) atual ou iminente, (3) uso moderado dos meios necessários e (4) proteção de direito próprio ou de outrem. Iremos analisar ponto a ponto cada.

"Blood Portrait" de Peter Doherly (27/2/12)
Imagem: Divulgação, Bankrobber Gallery, London

Agressão Injusta

Agressão é a conduta humana que coloca em risco bem jurídico de alguém. Nota-se que essa conduta poderá ser de ação ou omissão. A conduta deverá colocar em risco a vida ou a liberdade do indivíduo para que ela seja considerada uma agressão. A conduta também deverá ser injusta, que quer dizer que a agressão deve ser contra o Direito, mas não necessariamente típica (prevista como crime no CP). Por exemplo, o furto de uso, não é considerado crime no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, essa conduta da ensejo a proteção do bem jurídico por meio da legitima defesa. Rogério Greco explica que o furto de uso
"(...) embora não seja considerada criminosa, é tida como um ilícito de natureza civil, dando ensejo, outrossim, à legítima defesa, uma vez que goza do status de agressão injusta. Da mesma forma, aquele que defende um bem de valor irrisório que estava sendo subtraído por outrem. Mesmo que o fato não seja considerado crime em face da aplicação do princípio da insignificância, poderá o agente agir na defesa de seu bem."
Nesse sentido, o Ministro Rogerio Schietti Cruz define que “A agressão injusta é pois, a conduta humana, omissiva ou comissiva que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos de outrem, de forma contrária ao direito” (REsp 1105677, Data da Publicação 05/08/2016).

Atual ou iminente

Atual é a agressão que está acontecendo, presente. Iminente é a a que está prestes a acontecer, iminente. Não obstante, é vedado a legitima defesa contra agressão passada, o que caracterizaria a vingança. Muito menos a futura, baseada em mera suposição. A agressão deverá ser necessariamente atual ou iminente. Rogério Sanches (2016, p 267) nos traz elucidativo exemplo.
"(...) por exemplo, de alguém que, despojado de seus bens pelo roubador, o ataca logo em seguida, para recuperar os objetos subtraídos. Se a vítima teve de recuperar os bens, conclui-se, de acordo com a corrente dominante, que o roubo já estava consumado, e, portanto, a agressão injusta havia cessado.Neste caso, a rigor, a ação da vítima contra o autor do roubo não estaria justificada, pois ausente um dos requisitos da legítima defesa, qual seja, a agressão atual ou iminente."
Uso moderado dos meios necessário

O agente deverá escolher o meio necessário mais adequado à situação para repelir a agressão de modo proporcional. Isso quer dizer que o agente terá que escolher o meio menos lesivo disponível e eficaz para repelir a agressão (faca, bastão, revolver, etc.), também deverá ser utilizado de maneira proporcional, sem excessos. Fernando Capez (2012, p 316) a respeito da moderação diz que os meios necessários deverão ser utilizados “(...) dentro do limite razoável para conter a agressão. A jurisprudência tem entendido que a moderação não deve ser medida milimetricamente, mas analisadas as circunstâncias de cada caso. O número exagerado de golpes, porém, revela imoderação por parte do agente”. Não obstante, o excesso será punível conforme o parágrafo único do art. 23
Excesso punível
Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Temos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ

CIVIL E PROCESSO CIVIL. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. REVISÃO PELO STJ. POSSIBILIDADE. LEGITIMA DEFESA PUTATIVA. DANO.INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. LEGÍTIMA DEFESA REAL. REQUISITOS. CULPA.CONCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO DA VÍTIMA. PROPORÇÃO ENTRE A CULPA DA VÍTIMA E A DO AUTOR DO DANO.[…]4. A legítima defesa real, prevista no art. 25 do CP, possui como pressupostos objetivos não apenas a existência de agressão injusta, mas moderação no uso dos meios necessários para afastá-la.[...](REsp 1119886/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2011, DJe 28/02/2012) – Grifo Nosso
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. JÚRI. QUESITAÇÃO. LEGÍTIMA DEFESA. EXCESSO. INVERSÃO DE QUESITOS. AFRONTA À SUMULA 162 DO STF.NULIDADE EVIDENCIADA.1. Acolhida a tese de legítima defesa, o Conselho de Sentença entendeu que os meios utilizados pelo réu para repelir a injusta agressão foram necessários – faca e revólver –, mas o emprego desses meios foi imoderado (proporcionalidade). [...](REsp 434.818/GO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 23/08/2010) – Grifo Nosso
Proteção de direito próprio ou de outrem

O agende poderá defender o direito próprio ou alheio, mesmo que não tenha ligação de parentesco ou amizade. Neste ponto não existe grandes dúvidas ou controvérsias visto que não importa de quem é o bem jurídico a ser protegido pela ação do agente que age em legitima defesa. Por outro lado, se o bem jurídico for disponível e o agente agir contra a vontade do titular, não existe legitima defesa.

Por exemplo, bem indisponível de outrem:
João impede Pedro de cometer suicídio utilizando meios necessário (socos) de maneira proporcional (até que ele desista ou desmaie) para resguardar a vida de Pedro (proteger o bem jurídico vida de Pedro). Neste caso, pouco importa a vontade de Pedro. João estará agindo em legitima defesa.

Um exemplo de bem disponível (patrimônio) é bastante incomum de ocorrer no mundo fático. Rogério Sanches Cunha (2016, p 269) explica que
"De fato, é difícil vislumbrar a situação em que alguém se pusesse a proteger o patrimônio de outrem contra a vontade expressa do titular; mas é possível (e mais verossímil) que alguém busque defender o patrimônio de terceiro imaginando que o ataque seja injusto, sem o consentimento do titular."
Em síntese

O art. 25 do Código Penal diz que legítima defesa é quando o agente, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito ou seu de outrem. Nesse sentido, para a caracterização dessa excludente de ilicitude é necessário a presença dos seguintes requisitos, a saber: a) que haja uma agressão atual ou iminente; b) que ela seja injusta; c) que os meios empregados sejam proporcionais à agressão. A ausência de quaisquer desses requisitos exclui a legítima defesa.

Para além do assunto

A doutrina entende que existe outro requisito, mas de ordem subjetiva. O agente deverá acreditar estar atuando conforme os requisitos da legitima defesa, ou ao menos acreditar que está atuando conforme estes. Exemplo ilustrativo de Rogerio Greco (2015, 407) é bastante didático:
"Suponhamos que, agindo com animus necandi (vontade d e matar alguém - dolo de matar), Alberto se dirija à residência de Pedro, seu inimigo, e atire n e l e no exato instante e m que este brandia u m punhal a fim de causar a morte d e João, que se encontrava já prostrado e não tinha sido visto por Alberto. Se tirássemos uma fotografia dos fatos sem analisar o elemento subjetivo de Alberto, diríamos que ele teria agido em situação de legítima defesa de terceiro, haja vista que, ao atirar em Pedro, acabou por salvar a vida de João.Contudo, como Alberto não tinha conhecimento de que agia nessa condição, ou seja, não sabia que atuava na defesa d e terceira pessoa, deverá responder pelo crime de homicídio, pois sua vontade não era dirigida a salvar alguém, mas, sim, a causar a morte de seu inimigo. Sua conduta, portanto, foi dirigida finalisticamente a causar a morte de seu desafeto, e, não, a defender terceira pessoa."
Bibliografia utilizada

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 17. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, Vol. 1.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, vol. 1. 
CUNHA, Rogério Cunha. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. Salvador: Juspodvim, 2016.

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