sábado, 22 de outubro de 2016

Contrato de Servidor Temporário Declarado Nulo

 “Minha tia foi contratada como assistente administrativo numa determinada repartição pública do município dela. Após 9 anos de trabalho foi demitida. A repartição falou que era legal a demissão, visto se tratar de contrato temporário. Eles tem razão? Ela tem algum 'direito'?”

Nesta postagem iremos abordar sobre contrato de trabalho temporário nulo realizado com a administração pública e seus efeitos. O artigo irá abordar os requisitos para investidura em cargo ou emprego público, o contrato de temporário e seus requisitos para a legalidade do ato e irá abordar os efeitos deste contrato quando declarado nulo.

Investidura em Cargo e Emprego Público

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 traz no seu art. 37, II, o principal requisito para a investidura de cargo ou emprego público, qual seja a aprovação em concurso público. Esse requisito visa assegurar a impessoalidade, moralidade e isonomia no acesso aos cargos e empregos públicos, já que este requisito é puramente objetivo, pois, conforme leciona Mathes Carvalho (2016, p. 756), não se admite “quaisquer espécies de favoritismos ou discriminações indevidas”.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Observa-se que o dispositivo constitucional traz uma ressalva quanto às nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Assim, temos que o concurso público é regra para ingressar no serviço público, seja com cargo ou emprego público, exceto para cargos em comissão.

Contrato de Temporário

Excepcionalmente, a União os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão contratar por tempo determinado, conforme previsão constitucional a seguir:
Art. 37...IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Importante observar o dispositivo mencionado prescreve três requisitos importantes para que a contratação de temporários seja considera legal à luz da Constituição. São o tempo determinado, interesse público e caráter excepcional da contratação. Mathes Carvalho (2016, p. 740) destrincha estes requisitos com propriedade:
I - Serviço temporário, definido por meio de lei específica que deve especificar seus contornos e características, os limites máximos de duração destes contratos, além de regulamentar o regime aplicado a estes servidores. Sendo assim, trata-se o art. 37, IX da CF/88 de norma de eficácia limitada, somente produzindo efeito se houver regulamentação infraconstitucional para estabelecer seus limites.II - Interesse público, devidamente justificado pela autoridade responsável pela contratação, dentro das hipóteses permitidas em lei.III - Caráter de excepcionalidade da contratação. É que a de servidores temporários não pode ser a regra de contratação do órgão ou entidade pública, sendo situação não ordinária. É inconstitucional a contratação de temporários em situação que deveria haver nomeação de servidores efetivos.
Em síntese podemos dizer que os servidores temporários são servidores contratados por tempo determinado e que uma Lei deve prever o lapso temporal, sendo que o objetivo deve ser de atender a uma necessidade temporária de excepcional interesse público demostrado e justificado pela autoridade responsável.

Exemplo:

A Lei 8.745/93 dispõem sobre a contratação de temporários no âmbito federal, nela podemos constatar que a contratação de servidores para realização de censo pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE é considerada de necessidade temporária e excepcional (art. 2º, III) e que o prazo máximo para a atividade é de 1 (um) ano (art. 4º, II), podendo ser prorrogado por até por 3 (três) anos (art. 4º, parágrafo único, II).

Luis Sacilotto, Trabalhador, 1947

Contrato Nulo

Quando a administração pública contrata servidores sem observar o caráter transitório e excepcional da contratação, deverá o contrato ser declarado nulo. No contrario, a atividade regular e permanente deve ser realizada por servidores concursados (art. 37, II, CF/88). Matheus de Carvalho (2016. p 185) a respeito do assunto faz importantes considerações:
“É relevante ressaltar que a contratação de servidores temporários tem caráter excepcional, não podendo ser utilizada como regra para substituição de servidores efetivos, sob pena de se tornar inconstitucional. (…) a contratação de temporários para exercício de atividades permanentes configura burla ao texto da Constituição, uma vez que garante o ingresso, sem a necessidade de concurso público de agentes para execução de atividade pública recorrente do órgão ou entidade pública.”
Reconhecida a irregularidade da contratação, deverá ser declarado nulo o contrato de trabalho temporário entre o servidor e a administração pública conforme dispõem o art. 37, § 2º, da CF/88.
Art. 37 ...§ 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.
Efeitos do Contrato Nulo

A Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990 no seu art.19-A prevê que em caso de contrato nulo o trabalhador terá a garantia de deposito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A situação já fora debatida no Supremo Tribunal Federal (STF). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3127 reafirmou o entendimento de que os trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho com a administração pública declarado nulo em decorrência do descumprimento da regra constitucional do concurso público têm direito aos depósitos do FGTS.
Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2o, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário.
Essa solução legislativa veio amparar o trabalhador que se encontra numa situação irregular e desempregado devido a malicia da administração pública em realizar este contrato nulo. O Recurso Extraordinário (RE) 596478, com repercussão geral reconhecida, julgou legítimo o caráter compensatório da norma questionada (art. 19-A, Lei nº 8.036/90)

Apesar de nulo, o trabalhador também terá direito ao pagamento do serviço prestado, caso tenha ocorrido inadimplemento por parte da administração pública, já que é vedado o enriquecimento ilícito por parte da administração pública. Conforme dispõem o Código Civil (CC):
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Para maior elucidação da questão, segue abaixo julgados recentes do STF a respeito da temática debatida:
EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Contratação temporária. Nulidade do contrato. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. 1. O Plenário da Corte, no exame do RE nº 596.478/RR-RG, Relator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, concluiu que, “mesmo quando reconhecida a nulidade da contratação do empregado público, nos termos do art. 37, § 2º, da Constituição Federal, subsiste o direito do trabalhador ao depósito do FGTS quando reconhecido ser devido o salário pelos serviços prestados”. 2. Essa orientação se aplica também aos contratos temporários declarados nulos, consoante entendimento de ambas as Turmas. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 867655 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-174 DIVULG 03-09-2015 PUBLIC 04-09-2015)
 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. CONTRATO TEMPORÁRIO. RENOVAÇÃO SUCESSIVA. DIREITO AO DEPÓSITO DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PRECEDENTES.. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.(ARE 880073 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-177 DIVULG 08-09-2015 PUBLIC 09-09-2015) Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Direito Administrativo. Contratação temporária. Direito ao recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 3. Contrato por tempo indeterminado e inexistência de excepcional interesse público. Nulidade do contrato. 4. Efeitos jurídicos: pagamento do saldo salarial e levantamento de FGTS. Precedentes: RE-RG 596.478, red. do acórdão Dias Toffoli, e RE-RG 705.140, rel. min. Teori Zavascki. 5. Aplicabilidade dessa orientação jurisprudencial aos casos de contratação em caráter temporário pela Administração Pública. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 863125 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 05-05-2015 PUBLIC 06-05-2015)
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem julgados bastantes firmes reafirmando o entendimento do STF.
ADMINISTRATIVO.  AGRAVO  INTERNO  NO  AGRAVO  EM  RECURSO  ESPECIAL.CONTRATAÇÃO  TEMPORÁRIA. NULIDADE DO CONTRATO. DIREITO AOS DEPÓSITOS DO FGTS. RECONHECIMENTO.1.  Segundo  a  atual  e  predominante  jurisprudência  do  Superior Tribunal  de  Justiça, "o servidor público, cujo contrato temporário de   natureza   jurídico-administrativo   foi   declarado  nulo  por inobservância  do  caráter transitório e excepcional da contratação, possui  direito  aos depósitos do FGTS correspondentes ao período de serviço prestado, nos termos do art. 19-A da Lei n. 8.036/90." (REsp  1.517.594/ES,  Rel.  Ministra  REGINA  HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA,  julgado  em  03/11/2015, DJe 12/11/2015) 2. Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt no AREsp 822.252/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 29/08/2016) ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO TEMPORÁRIO DECLARADO NULO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. FGTS. OBRIGATORIEDADE DE PAGAMENTO.1.  O Superior Tribunal de Justiça realinhou sua jurisprudência para acompanhar o  entendimento  do Supremo Tribunal Federal que, após o reconhecimento da constitucionalidade do art. 19-A da Lei n.8.036/90 sob o regime da repercussão geral (RE 596.478/RR, Rel. Para acórdão Min. Dias Toffoli,  DJe  28/2/2013),  reconheceu  serem "extensíveis  aos  servidores contratados por prazo determinado (CF, art.  37,  inciso  IX)  os  direitos sociais previstos no art. 7º da Carta  Política,  inclusive  o  FGTS,  desde  que ocorram sucessivas renovações  do  contrato"  (RE-AgR  752.206/MG,  Rel.  Min. Celso de Mello, DJe 29/10/2013).2.  Assim,  o servidor público, cujo contrato temporário de natureza jurídico-administrativa  foi  declarado  nulo  por  inobservância do caráter transitório e excepcional da contratação, possui direito aos depósitos  do  FGTS  correspondentes ao período de serviço prestado, nos termos do art. 19-A da Lei n. 8.036/90.3. Recurso especial a que se nega provimento.(REsp 1602090/SC, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO), SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 14/06/2016)
Em síntese

Quando o contrato de trabalho entre o servidor e a administração for declarado nulo pela inobservância do caráter transitório e excepcional conforme orientação constitucional (art. 37, IX, CF/88), serão devido ao trabalhador os valores correspondentes ao trabalho efetivamente realizado e o deposito do FGTS.

Bibliografia utilizada 

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo, 3ª Edição. Salvador, 2016. Editora JusPodvm.

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